Quando pensava que Musk não podia ir mais baixo ele consegue surpreender-me: a Tesla foi apanhada a culpar os condutores dos seus automóveis por falhas de componentes que sabiam serem defeituosos e a cobrar as reparações mesmo em automóveis dentro da garantia!
E não estamos a falar de carros com muito tempo de vida e/ou quilometragem - um Tesla Model Y comprado novo em 2023 partiu parte da suspensão dianteira após 185 quilómetros! A Tesla disse que foi resultado de condução abusiva logo recusou a garantia e cobrou mais de 14.000 dólares de reparação! Rodas a soltarem-se em movimento, direções, suspensões e eixos a partirem em aceleração são algumas das reclamações cronicas de clientes - que segundo documentos internos a Tesla já conhecia há pelo menos 7 anos em todos os seus modelos produzidos em todas as suas fábricas.
A Reuters entrevistou clientes, gestores de oficinas e técnicos da Tesla, e documentação interna da marca desde 2016. Recomendo a leitura do artigo completo mas resumo abaixo os principais pontos.
Circuito fechado
Antes de mais é importante dizer que a Tesla tem controlo total sobre as oficinas e o fabrico/distribuição de componentes. Por um lado isso dá-lhes informação detalhada em tempo real sobre reparações mais frequentes e que componentes falham, o que é fundamental para um engenheiro da marca - mas por outro lado, só eles é que sabem e não partilham a informação o que significa que mesmo que algo esteja defeituoso alguém fora da Tesla terá sérios problemas em identificar.
Que componentes estão a falhar?
Curiosamente são componentes menos tecnológicos e mais baratos que estão a falhar, mesmo em automóveis completamente novos - o que levanta uma questão interessante: se são componentes baratos porque encobrir? Será para espremer mais dinheiro aos clientes ou simplesmente não querem dizer a Musk que existem problemas...
São as bandejas/braços superiores e inferiores, barras de acoplamentos das suspensões dianteiras e traseiras, semieixos de ambos os lados e colunas de direção. Basicamente quase todos os elementos responsáveis por ligar o carro às rodas e mantê-lo na estrada de forma segura e controlada.
E a Tesla sabia disto?
A analise dos documento e das reclamações conclui que a Tesla há muito sabia acerca da frequência e extensão dos defeitos e escondeu isso dos reguladores e consumidores. Os documentos revistos (datados de 2016 a 2022) incluíam relatórios de reparações, analises de engenharia de componentes com falhas e memorandos enviados a técnicos para informar os clientes que componentes partidos/avariados dos seus carros não têm problemas. Notar que os engenheiros da Tesla usavam claramente os termos "part flaws” (defeito das peças) e “part failures” (falhas/avaria das peças).
Os semieixos e colunas de direção, mais dispendiosos e complexos, normalmente a precisar de serem substituídos após episódios de "perda de assistência na direção" foram identificados pela Tesla desde 2018.
Semieixos
Os primeiros casos de problemas de semieixos surgiram, segundo os documentos internos analisados, em 2018 nos Model 3 com múltiplos casos de semieixos e cubos de rodas a precisarem de ser substituídos. Os primeiros sintomas eram ruídos crescentes com a velocidade e vibrações, e em média ao fim de 8 meses destes sintomas surgirem os componentes precisavam de ser substituídos. Entre janeiro de 2021 e março de 2022 a Tesla substituiu quase 66.000 semieixos, 10% dos quais faturados aos clientes.
Quais as consequências de partir um semieixo? Em 2019 um semieixo partiu num Model S com apenas 160 quilómetros perfurando a bateria.
A Reuters cita vários técnicos e engenheiros a tentarem lidar com este problema. Em setembro de 2021 um técnico belga queixava-se que 6 semanas depois de um Model X ter recebido a mais recente versão do semieixo este já tinha partido outra vez. Desde 2020 que vários engenheiros dizem que é um problema de design do componente não do comportamento do cliente e que a marca tem que cobrir os custos independentemente das vezes que uma viatura tenha o problema.
Segundo os registos da Tesla em 2022 os seus engenheiros ainda estavam a tentar resolver o problema dos semieixos, e supostamente apenas em fevereiro desse ano é que conseguiram um componente fiável.
Direções
Um problema que começou a surgir em modelos completamente novos, particularmente Model 3 e Model Y - perdas súbitas de assistência à direção, as vezes em simultâneo com falha de outros sistemas de segurança. A documentação interna da Tesla indica 400 reclamações entre 2017 e 2022, mas rapidamente cresceram.
Suspensões
Na investigação das quebras dos semieixos e suspensões o trabalho de analise do holandês Ralf van Gestel, engenheiro da Tesla Product Support, é importante. Em Abril de 2019 van Gestel conclui que a Tesla tinha gasto globalmente nos anteriores 12 meses quase 4 milhões de dólares em reparações de suspensões de Model S e X (1,3 milhões foram gastos em viaturas com menos de 2 anos) - segundo van Gestel as barras de acoplamento das suspensões dos Tesla Model S e X tinha a tendência a partir ao fim de dois anos e meio de uso, e mesmo depois de redesenhados eram as mais frágeis com mais de 3.000 falhas registadas nesse período.
Em setembro de 2020 o engenheiro francês Valentin Oetliker disse-se alarmado pela "elevada taxa de falha" de um componente da suspensão traseira que já tinha sido redesenhada. Segundo Oetliker naquela altura cerca de 5% dos 12.858 Model S e Model X no sul da Europa e Médio Oriente precisavam de reparações nas suspensões traseiras.
Os problemas com as suspensões propagaram-se à restante gama - de Janeiro 2021 a março 2022 as barras de acoplamento em cerca de 120.000 veículos tiveram de ser substituídas, principalmente no Model 3. Muitas das reparações foram feitas dentro da garantia, mas quem estivesse fora da garantia (cerca de 31.000 clientes segundo os registos da Tesla) teve que pagar do seu bolso.
Curiosamente a 3 de setembro de 2020 a Tesla mandou uma carta à NHTSA a dizer que nenhuma reparação era necessária às suspensões traseiras e não faria qualquer recolha nos EUA...depois de fazer uma recolha para reparações de suspensões na China.
Na China houve recolha?!
Os registos da Tesla revelaram que a empresa conhecia muito bem os problemas sistémicos dos sistemas de suspensão e direção apesar do negar a clientes e reguladores...exceto quando os problemas ocorrem na China curiosamente. Segundo a documentação revista entre 2016 e 2020 a Tesla "resolveu" na China 400 queixas de quebras de suspensões aceitando a reparação dentro da garantia ou reparação a custo zero se o veiculo já estivesse fora da garantia. Apesar da "boa vontade" a Tesla foi obrigada pelas autoridades chinesas a recolher/recall todas viaturas afetadas na China - mas apesar de queixas idênticas na Europa e EUA a mesma ação não foi feita nestes mercados.
Culpar o cliente e o fornecedor = 2 x ganhar dinheiro
A Tesla negou a existência de qualquer problema com as suspensões ou direções dos seus carros, e segundo documentos internos a decisão foi imputar aos clientes o custo das reparações. Segundo a Tesla (em documentos internos, entrevistas a mecânicos da marca e cartas à NHTSA) as quebras de componentes eram causadas por condução abusiva, mesmo sabendo que esses componentes tinham taxas elevadas de falha. Até em problemas envolvendo veículos basicamente novos e dentro da garantia.
Num memorando interno de fevereiro 2019 a Tesla instruiu os centros de serviço no que dizer aos clientes em caso de quebras de suspensão ou semieixos: "uso incorreto do automóvel" como "atingir num passeio/lancil ou outro impacto excessivo". Os termos "abuse/abuso" e "misuse/abuso" surgem na garantia da Tesla o que permite a marca recusar pagar reparações. Basicamente sabem que a peça que falhou é defeituosa, mas dizem a palavra "abuso" que o condutor não pode provar não ter existido logo tem que pagar mesmo dentro da garantia.
E a Tesla não esconde o objetivo desta manobra - agradar os investidores reduzindo o impacto crescente das reparações nos lucros da empresa. No ultimo trimestre de 2018 a Tesla disse ter pago quase 500 dólares em reparações por Tesla produzido até aquela altura/período. Num memorando de Abril de 2019 a Tesla disse ter "perdido" 263 milhões de dólares nesses 4 meses devido a reparações dentro da garantia e "gestos de boa vontade". O lucro da Tesla nesse período foi de 139 milhões.
Mas não acaba aqui o plano de fazer dinheiro à custa dos defeitos: a Tesla discutiu imputar os custos dos componentes a substituir aos fornecedores. Quando van Gestel investigou os problemas de suspensão em 2019 propôs 2 medidas corretivas: redesenhar os componentes e cobrar as peças defeituosas ao fornecedor e isto é vergonhoso por 2 razões:
Primeiro - o fornecedor fabricou as peças conforme as especificações da Tesla e como acima cito múltiplos engenheiros concluíram que era um problema de designe da peça não de fabrico;
Segundo - a Tesla já estava a cobrar à peça ao cliente e depois virara costas e queria que o fornecedor também pagasse pelo componente, ganhava duas vezes com um defeito que a própria Tesla criou!
Infelizmente não há documentos a confirmar se este plano de faturar os fornecedores avançou (ou não).
Resumindo
Infelizmente confesso não estar surpreendido - a Tesla tem há muito uma cultura de fazer o que lhe apetece sem grandes consequências. Afinal andou a falsear o calculo das autonomias apoiado por um grupo interno para desviar queixas de queda de autonomia das oficinas, foram apanhados trabalhadores da Tesla a partilhar filmagens identificadas tiradas das camaras dos carros dos clientes e nada aconteceu.
Desta vez como não querem pagar admitir e costear o fraco trabalho de design dos seus componentes mentem as autoridades e clientes esfregando o sal na ferida com a conta da reparação. Os noruegueses pelo menos parecem estar a investigar, vamos lá ver no que dá.
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