SEAT Ronda - historia com 4 rodas

O futuro da SEAT está neste momento um pouco tremido - sem novidades calendarizadas até 2030 e é provável que em 2023 a Cupra tenha ultrapassado em vendas a SEAT. Mas ao pensar nisto recordei que não é a primeira vez que a marca SEAT esteve num aperto - nos 80 a FIAT puxou o tapete a marca espanhola, seguidos de 2 processos legais que poderiam ter fechado as portas da SEAT. Mas teve o efeito oposto - provando a máxima que as vezes quando insistimos mesmo quando não parece haver saída conseguimos algo de especial. Neste caso, a industria espanhola tinha colocado a sua bandeira na industria automóvel.



O início
A Fiat foi um dos parceiros fundadores da "Sociedad Española de Automóviles de Turismo" aka SEAT em 1948 (em conjunto com o governo espanhol e vários bancos) para produzir localmente vários dos seus automóveis com o nome da marca espanhola conseguindo assim apoios estatais e fintar impostos sob a importação de automóveis. Até 1975 a marca espanhola produzia apenas modelos da Fiat ou baseados em modelos da Fiat, e tudo corria bem com a SEAT claramente a dominar o mercado espanhol e a exportar veículos para outros mercados - mas em 1979 o verniz estalou.


A solo
No final dos anos 70 o governo espanhol e a Fiat começaram discussões sobre o financiamento e propriedade da SEAT para preparar a entrada da Espanha na CEE, e em 1979 foi assinado um pré-acordo de aquisição da SEAT pela Fiat em 1980. Mas quando chegou a hora a Fiat mudou de ideias e desistiu.

Claro que a Fiat não podia simplesmente virar costas, não queria que a SEAT exportasse para outros países modelos exatamente iguais aos seus - os italianos permitiram que a marca espanhola continuasse a usar os seus modelos e mecânicas com a seguinte ressalva: "in the event that SEAT proceeds to restyle the Ritmo, 127 and 131 models by restyling their bodywork, using the mechanical groups of the current Fiat Auto licensed models, the aforementioned restyling will refer not only to internal and external finishing elements, but also to significant elements of the external paneling". Traduzindo "caso a SEAT proceda à remodelação dos modelos Ritmo, 127 e 131 através da remodelação da sua carroçaria, utilizando os grupos mecânicos dos atuais modelos licenciados pela Fiat Auto, a referida remodelação referir-se-á não só a elementos de acabamento internos e externos, mas também a significativos elementos dos painéis externos (carroçaria)"

Resumindo a SEAT podia continuar a produzir e exportar modelos baseados nos FIAT desde que parecem "suficientemente diferentes". A SEAT decidiu desenvolver 3 novos modelos baseados na plataforma do Fiat Ritmo: inicialmente designados S1, S2 e S3 mais tarde batizados Ibiza, Ronda e Málaga. Com pouco tempo e ainda menos dinheiro a SEAT acelerou o desenvolvimento do Ronda redesenhando o 1º Fiat Ritmo - entregou o trabalho de redesenhar o exterior à Rayton Fissore (curiosamente feito pelo designer Tom Tjaarda que tinha acabado de deixar o Centro Stile da Fiat em Milão) e a SEAT focou-se em redesenhar o interior. O SEAT Ronda não só era mais atraente como mais aerodinâmico conseguindo melhores consumos que o Fiat Ritmo.





O SEAT Ronda chegou aos concessionários em 1982, 4 anos depois lançamento do Fiat Ritmo em que se baseava - e aqui começaram os problemas.


Italianos chateados
É que apesar de ser baseado num design com 4 anos o Seat Ronda parecia uma evolução atraente e lógica do Fiat Ritmo. Mas quando o Ronda foi apresentado a Fiat estava ainda a desenvolver com Giugiaro o restyle do Ritmo (aka Nuova Ritmo), e as semelhanças eram tantas que tiveram que alterar todo o trabalho todo. Isso inflacionou o custo do desenvolvimento, atrasou o lançamento do Nuova Ritmo e o produto final não foi muito bem recebido - algo que obrigou a uma terceira atualização em 1985.

A Fiat não gostou da Seat ter conseguido fazer melhor com menos dinheiro a partir de um dos seus próprios carros...


Fiat processa
Em novembro de 1982 a Fiat processa a SEAT na Camara internacional de comércio de Paris argumentando que o Ronda era demasiado semelhante ao Nuova Ritmo logo em violação do acordo, e exige que a SEAT fosse proibida de exportar o Ronda para fora de Espanha. O julgamento durou 2 semanas e não estava propriamente a avançar até alguém na SEAT teve uma ideia genial - conseguiram levar o tribunal à sua fábrica em Barcelona onde pegaram num Ronda em preto e pintaram de amarelo os componentes que o diferenciavam do Nuova Ritmo. 


Depois desta visita o tribunal decide a favor da SEAT declarando que as diferenças entre os carros era suficiente.

Mas os problemas legais do SEAT Ronda não acabaram com a Fiat.


Tu também Honda?!
O SEAT Ronda inaugurou não só o novo logotipo "S" da marca espanhola ainda em uso (se bem que redesenhado) no automóveis da marca espanhola, mas arrancou a tradição de usar nomes de cidades espanholas para os seus automóveis - tirando o Exeo. O problema é que em muitas línguas "Ronda" e "Honda" soam basicamente iguais e a marca japonesa ameaçou não só processar a marca espanhola mas também retirar o investimento planeado para a produção de motas em Espanha. A SEAT e Honda acabaram por chegar a um acordo extra judicial em que foi acordado um limite ao número de Rondas para exportação e uma data para reformar o nome.


Conclusão
O SEAT Ronda pode não ter sido tecnologicamente revolucionário, inovador ou mesmo comercialmente relevante (a Fiat produziu 1.790.000 Ritmos contra 177.869 do Ronda), mas deu à SEAT a sua própria imagem, estilo e personalidade. A Fiat merece duplo crédito pela criação da SEAT - não só foi um dos fundadores, mas ao sair obrigou a marca espanhola a encontrar o seu caminho ou ficar na berma da historia automóvel - e o Ronda foi esse momento de viragem, em que as rodinhas saíram da bicicleta e a SEAT continuou a avançar.
O SEAT Ronda foi produzido até 1986 sendo substituído pelo Ibiza, e em junho desse ano a SEAT foi adquirida pelo grupo Volkswagen.

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