Fiat Chrysler propõe fusão à Renault

E como seria de esperar - eu escrevo que algo é má ideia e pouco depois esse algo torna-se realidade, só não ganho o euromilhões. Mas enfim, a grande noticia (talvez do ano) é que a Fiat Chrysler apresentou à Renault uma proposta de fusão criando um novo 3º maior construtor do mundo.

O que está em cima da mesa
A proposta é basicamente a mesma que a Renault apresentou à Nissan há pouco tempo (e que a Nissan recusou) - ambas FCA e Renault criam uma holding na Holanda em que cada grupo investidor teria uma participação de 50%. Esta empresa seria dirigida/chairman por John Elkann (representante da família Agnelli que controla 29% da FCA) e Jean-Dominique Senard da Renault seria o CEO.

A proposta, sim ainda é apenas uma proposta, pinta um cenário muito interessante - juntos teriam um valor de mais de 32 mil milhões de euros, comercializariam 8,7 milhões de automóveis anualmente (para comparação o grupo Volkswagen comercializou em 2018 10,9 milhões de automóveis) cobrindo todos os mercados no mundo, todos os segmentos (do utilitário ao luxo) e poderia gerar anualmente economias de 5 mil milhões de euros. Se juntarmos a Nissan à equação o grupo resultante passaria imediatamente para o topo do pódio com 13,8 milhões de unidades vendidas anualmente (números 2018) e daria à Renault e Fiat um pezinho na China onde ainda têm pequena expressão.

É curioso que esta fusão já tinha, no passado, equacionada mas Ghosn e Sergio Marchionne nunca se deram bem - foi preciso um falecer e outro ir parar à cadeia para esta possibilidade poder ser realmente equacionada. Curiosidade número 2: se este negocio for para a frente será a 4ª vez em 20 anos que a Chrysler muda de mãos e a 5ª da Jeep. Acresce ainda que a Jeep volta para a Renault pela 2ª vez porque a marca francesa já a deteve quando adquiriu a AMC.


Dores de cabeça italianas
A possibilidades são muitas mas as barreiras politicas e da força operária são muitas, principalmente em Itália. Um dos grandes problemas com esta fusão é capacidade produtiva em excesso - a maioria das fabricas europeias da FCA estão a trabalhar a pouco mais de 50% da capacidade e ninguém que ouvir falar em despedimentos em Itália: a Fiat só sobrevive porque o governo italiano está a financiar as suspensões de produção e contratos de solidariedade para os 58,000 trabalhadores italianos, a ter que pagar do seu bolso a família Agnelli há muito teria fechado várias fabricas em Itália.

Temos ainda o governo francês, que detém 15% da Renault, e já disse que quer manter a aliança com a Nissan e a produção em solo francês. O governo italiano também já disse que pode vir a exigir uma participação na nova entidade para replicar a posição do governo francês.


Nissan tem mais a perder com união FCA + Renault
No meio de tudo isto a Nissan será a que ficará pior se esta fusão entre a Renault e FCA for para a frente. A Nissan queixa-se à muito do desequilíbrio na sua parceria com a Renault: os japoneses detêm apenas 15% da Renault (enquanto a Renault detém 43,3% da Nissan) e não têm lugares na direcção ou direitos de voto.

Ora se a fusão FCA-Renault for aprovada a nova entidade continuara a deter 43,3% das acções da Nissan e os direitos de voto, enquanto a participação da Nissan na nova entidade seria de apenas 7,5% e apenas 1 diretor no quadro de 11 segundo o plano apresentado. E o inverso é pior: quem for representar a Renault na próxima reunião da direção da aliança Renault Nissan Mitsubishi representará sozinho irá representar uma entidade capaz de vender 8,7 milhões de unidades e 10 mil milhões de euros em 2018.

Para esfregar sal na ferida a Nissan acabou o ano fiscal com uma queda de vendas de 4,4% para 5,5 milhões de unidades e lucros caíram 45% para 2.7 mil milhões de euros.

A Nissan tem tentado reequilibrar a balança de poder dentro da sua aliança com a Renault, e com a prisão de Goshn tinha uma carta a jogar, mas agora essa carta pode ser mais fraca que pensava - especialmente porque se a Renault conseguir juntar-se à FCA pode simplesmente dissolver a aliança de 20 anos com a Nissan e seguir em frente.


Força nos EUA
A força da Fiat Chrysler Automobiles está nos EUA: combina a marca mais italiana com a marca mais americana - a Jeep. O lado americano pode ter falido em 2008 mas com o trabalho de Sergio Marchionne a Jeep e Ram (pickups) representam agora 85% dos lucros do grupo em 2018. Atualmente a Morgan Stanley avalia a FCA toda em 21 euros por acção, mas desses 21 euros a Jeep representa 16,6 euros por acção e a RAM 6,6 euros por ação. Mas há um reverso dessa medalha: a Fiat vale 0 euros por acção e a Alfa Romeo -1 euro por acção - a verdade é que quer a Maserati e Alfa Romeo, duas marcas que deviam puxar a recuperação da FCA na Europa e nos EUA falhou.


Concluindo
A FCA e Renault parecem complementar-se: a Fiat Chrysler é muito rentavel nos EUA mas na Europa está em morte lenta e apertada pelos limites de emissões. A Renault por outro lado tem tecnologias verdes prontas e testadas, uma boa presença na Europa e graças à Dacia nos mercados emergentes mas nada nos EUA...mas tentar combinar 5 culturas empresariais diferentes (Renault, Nissan, Mitsubishi, Fiat e Chrysler), com 4 culturas nacionais muito diferentes (franceses, japoneses, italianos e americanos) num mercado global em queda e com Trump à mistura soa ao género de tarefas que nem Hércules conseguiria.

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