Guerra dos tronos na Aliança Renault Nissan

Ghosn, como chairman da Nissan, Mitsubishi, Renault e da aliança em total e ainda CEO da Renault, dedicava cava vez mais tempo para assegurar que a aliança com 20 anos continuava a tornar-se mais unida com mais funções trans-empresas para que conseguisse atingir os 14 milhões de unidades vendidas em 2022 e a redução dos custos de desenvolvimento.
A Renault e Nissan (que controla a Mitsubishi) são empresas separadas, mas são ligadas por uma complicada rede - algo que a maioria de nós desconhece. Para compreender como a detenção e expulsão de Ghosn é uma verdadeira dor de cabeça de dimensão mundial - tento abaixo descrever essa complexa ligação, que a ser comprometida poderá colocar em risco as marcas da aliança.


Como se formou a aliança Renault-Nissan
Em 1999 a Nissan estava basicamente falida e foi salva pela Renault que comprou 36,8% do construtor japonês por 5 mil milhões de euros e colocou Carlos Ghosn (na altura o nº2 da Renault) como CEO da Nissan com o objectivo de recuperar a Nissan. Este cortou mais 20.000 empregos, abandonou modelos não rentáveis, eliminou fornecedores não fiáveis e encerrou fábricas. A Nissan voltou a ser uma empresa lucrativa e Ghosn tornou-se num ícone no Japão.

Em 2002 a Renault aumentou a sua participação para 44,4% e a Nissan adquiriu 15% da Renault mas sem direito de votos. Ghosn regressou à Renault em 2005 como CEO mas também manteve-se director da Nissan.

A participação da Renault na Nissan é actualmente de 43,4% - a seguir veio juntar-se a Mitsubishi debaixo da alçada da Nissan e todos sob poder da Renault.


E agora?
A Nissan não só recuperou da falência como ultrapassou a Renault graças às vendas na China e américa do norte - mercados em que a Renault está ausente. A crise financeira de 2008 e a crise de divida europeia afetou os mercados da Europa dos quais a Renault depende fortemente. Em 2015 a Nissan representava dois terços das vendas da aliança e a era responsável pela maior parte dos lucros - a diferença encurtou nos últimos anos mas a posição dominante da Nissan manteve-se, algo que há muito incomoda a Nissan e causa tensão há muito.


Tensões que duram
A verdade é que desde o inicio da aliança que regularmente há atritos entre a Renault e Nissan, especialmente quando uma fusão completa é discutida.

A maior tempestade entre os 2 parceiros curiosamente nem foi da sua responsabilidade - em 2015 o estado francês aumentou (sem pré-aviso) a sua participação na Renault para bloquear que a Renault pudesse evitar legislação que dava direitos de voto duplicados aos investidores mais antigos, manobra feita por um certo Emmanuel Macron para assegurar que apesar de pequeno accionista o estado francês continuava a ter influencia. A Nissan não gostou nada da manobra porque basicamente isso significaria que o governo francês podia ficar sobre controlo do governo francês via influencia da Renault - isto causou talvez a maior tempestade entre as marcas.

Aqui foi a Renault a acalmar a situação chegando a acordo que limitaria a influencia do governo francês - Macron já estava a preparar a corrida ao Eliseu e queria evitar o "burburinho" que daria ter que vender as acções da Renault que tinha acabado de comprar. Só em Novembro de 2017 é que o governo francês reduziu a sua participação na Renault para os 15%.


Pontos cruzamento
Entre tempestades a Renault e Nissan criaram uma estrutura que se sobrepões em vários pontos. Eis abaixo a estrutura comum aos construtores da aliança.
Renault-Nissan BV: empresa registada na Holanda que cria a estratégia a médio e longo prazo da aliança, se bem que com pouca capacidade de tomar decisões sobre os 2 parceiros. Pode aprovar certos estratégias e planos de produto, decidir que componentes e veículos podem ser partilhados, estratégias de financiamento, gestão de risco e equipas trans-empresas. A Renault e Nissan tem, cada um, 4 elementos na direcção.

Propriedade e governância: a Renault detém 43% da Nissan, que por por sua vez detém 15% das acções da Renault mas sem votos na direcção da Renault apesar de ter 2 membros na direcção. Este acordo data de Dezembro de 2015 quando a Nissan, Renault e governo francês (o maior accionista unitário da Renault) aceitaram que o estado francês passasse a deter 20% da Renault para que tivesse o dobro dos direitos de votos ou "minoria bloqueante". Para limitar o poder do estado francês na Nissan a Renault aceitou não ter mais de 4 dos 9 lugares da direcção da Nissan e aceitar resoluções de adopção, demissão e remuneração dos membros da direção.

Rendimentos: a aliança contabiliza as sinergias (reduções de custos e rendimentos conseguidos) entre os parceiros nas operações partilhadas - em 2017 atingiu 5.7 mil milhões de euros, e pretendem atingir 10 mil milhões em 2022. Os recursos entre empresas é também contabilizado e no 3º trimestre deste ano a Nissan contribuiu com 384 milhões de euros para os lucros da Renault.

Operações partilhadas: um dos pormenores favoritos de Carlos Ghosn é criar equipas de executivos das diferentes empresas para supervisionarem várias das operações da aliança. O principal exemplo é a "Renault-Nissan Purchasing Organization" que desde 2009 gere todas as compras da aliança. Actualmente há 9 equipas inter-empresas que além das compras também cobrem engenharia, produção, gestão de cadeia de fornecedores, qualidade, após-vendas, recursos humanos, veículos comerciais ligeiros e outras.

Plataformas e motorizações: a principal arquitectura modular é a Common Module Family ou CMF apresentada em 2013 com o objectivo de cortar os custos de desenvolvimento até 40% e custos de componentes até 30%, e está disponível em vários tamanhos/segmentos: CMF-A, CMF-B e CMF-C/D) - atualmente mais de 20 modelos da aliança são baseados na CMF.
- Na Renault temos o Kwid, Megane, Talisman, Espace, Kadjar e Koleos;
- Na Nissan, os modelos CMF são: Qashqai, X-Trail e Pulsar, e ainda o Datsun Redi-GO vendido na Índia;
O objetivo até 2020 era que 70% dos veículos sejam CMF. Atualmente 75% das motorizações são partilhadas entre as marcas.

Fabricas partilhadas: Flins (França) da Renault onde são feitos os Nissan Micra, Renault Clio e Renault Zoe, Chennai (India) onde são feitos os Renault Kwid, Duster e Datsun Redi-GO), Busan (Coreia do Sul) onde são feitos os Nissan Rogue e Renault Koleos, Barcelona (Espanha) onde são feitos os Nissan Navara, Renault Alaskan e Mercedes classe X. Recentemente foi anunciado que carrinhas comerciais da Renault, Nissan e Mitsubishi vão ser produzidos no norte de França.

Mercados: as marcas da aliança são vendidas em 200 países. Os principais mercados da Renault são França, Rússia, Alemanha, Itália e China, com vendas significativas na América latina, África, Índia e Europa. Os principais mercados da Nissan são os Estados Unidos, China, Japão, México e Canada. A única sobreposição de mercados entre Renault e Nissan é a Europa, onde a marca japonesa perdeu percentagem ao longo dos anos.
O principal mercado da Mitsubishi é a Indonésia seguido pela China, Estados Unidos e Austrália.


E o futuro?
Como seria de esperar a Nissan irá procurar mudar a seu favor a estrutura accionista da aliança com a Renault para a tornar mais equitativa entre os 2 construtores - ou seja, mudar os direitos de votos entre eles. Atualmente, de forma resumida, a Renault tem mais influencia sobre a Nissan que esta sobre a Renault - com a Nissan a conseguir mais lucros e vendas, a tomar controlo da situação de Ghosn e a Renault ainda a tentar perceber o que raio se passou a marca japonesa até tem uma forte possibilidade de conseguir o que quer.

Mas a pergunta também - será que a aliança aguenta sem Ghosn? Ele foi não só o homem que criou a aliança como foi o "homem forte" que manteve a aliança a seguir em frente e em questões destas é importante ter uma pessoa forte ao leme para que não descarrile. A Renault teve um desses homens mas escolheu deixá-lo partir: um certo Carlos Tavares que está a fazer um brilharete na PSA.

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