Sempre defendi que para verdadeiramente apreciar o automóvel não se pode apenas limitar à máquina em si. Especialmente por que há muito mais em torno do automóvel do que propriamente a máquina. Apreciar um automóvel não é só degustar as linhas da carroçaria ou deleitar com o som do motor, conhecer todas as caracteristicas técnicas ou os preços dos automóveis. Especialmente porque o automóvel representa tanto do ser humano - temos sucesso e falhanços, paixões e ódios, felicidade e tristeza, vida e morte e grandes saltos de desenvolvimento tecnológico.
Mas ao observar o brinquedo que o meu filho recebeu pelo aniversário (um kit Meccano para crianças), e citando um dos meus Calvin e Hobbes favoritos, não sei se afinal a industria automóvel foi assim tão imaginativa como acreditava até agora.
Com o escrever do artigo "os automoveis mais importantes de sempre", e em especial com o debate e conversas sobre o que tornou cada um deles especial, aprendi muito. E apercebi-me que apesar de terem havido alguns momentos de génio como a arrumação do Mini ou a tracção integral, a maioria dos desenvolvimentos vieram de outras áreas - principalmente a aviação que sempre foi muito revolucionária. A construção em monocoque do Citroen Traction Avant, o compressor mecânico e o turbo-compressor vieram da aviação. Os travões de disco e a famosa célula de passageiros reforçada que a Saab incluiu no 92 foi tirado da aviação. ABS, GPS, injecção de combustível, materiais compositos, a aerodinamica, até as células de combustível que acredito virem a ser o futuro do automóvel são tecnologias importadas do mundo aeroespacial.
Actualmente se há uma palavra\tema que estamos frequentemente a falar é das "plataformas", a sua partilha entre um e mais construtores. Uma plataforma é basicamente o fundo do automóvel e mais alguns reforços - é a estrutura do automóvel que dá a rigidez ao conjunto e é a parte mais cara de desenvolver. Daí que faça sentido partilhar essa plataforma por um grande número de modelos. Foi a Volkswagen a primeira a massificar esse conceito com o Audi A6 de 1997 e nunca mais parou de o fazer - o Volkswagen Golf deu origem ao Audi TT, ao Audi A3, ao Skoda Octavia, ao Seat Leon e outros. Mas não é exclusivo do grupo VW - o Porsche Cayenne é um primo do Touareg, o Porsche 911 e Boxter são basicamente o mesmo carro, o Alfa Romeo Giullieta e Fiat Bravo partilham a mesma plataforma e o mesmo vale para os Renault Megane/Nissan Qashqai ou Renault Clio/Nissan Juke ou ainda o Fiat 500/Ford Ka/Fiat Panda/Fiat Uno Brasileiro.
Este sistema permitiu o desenvolvimento do que se chama "automóveis de nicho" - segmentos de mercado em que o pequeno volume de vendas não justifica o desenvolvimento de um modelo de raiz, mas ao aproveitar algo que já existe de repente torna-se possível. Foi assim que nasceu o Volkswagen New Bettle (nome original) apartir do Golf ou o BMW X6 apartir do Serie 5 normal. E fica ainda melhor, porque construtores estão a associar-se para usarem plataformas comuns, como a Renault e a Mercedes. Claro que isso também significa que as caracteristicas dinâmicas também são transferidas - algo que quem já conduziu o primeiro Audi TT sabe do que estou a falar.
Mas será uma inovação do mundo automóvel? Não tenho assim tanta certeza - este Natal perdi a corrida para oferecer aos meus filhos uma pista de automóveis (venceu a minha cara-metade e a consola Wii) - mas não uma pista qualquer, queria dar-lhes uma da Scalectrix tal como aquela que o meu pai nos deu, a mim e ao meu irmão, em crianças.
Trata-se um sistema de pistas de automóveis em que se pode comprar um conjunto base e depois simplesmente adquirir novos segmentos de pista, automóveis ou outros acessórios como saltos para criar uma pista à medida. E actualmente até comercializam um sistema que permite fazer ultrapassagens. A mesma coisa nos automóveis destas pistas - o chassis são basicamente os mesmos mudando apenas a carroçaria - conseguiram assim reduzir o numero de componentes diferentes e criar um sistema acessível a todos. Tudo porque acentam numa plataforma comum - este sistema data de 1957.
Mas as plataformas já estão quase obsuletas - actualmente esta-se a levar a ideia das plataformas ainda mais longe - a palavra-chave é "Modularidade". Os principais exemplos são a BMW que apresentou recentemente um cilindro que pode ser usado para criar todos os motores de 3 a 6 cilindros em linha da BMW - apenas multiplicando esta unidade e depois montar os acessórios necessários. A Volkswagen aplicou o mesmo principio a todo o automóvel - o novo sistema de plataforma MQB para automóveis de motor transversal permitira trocar todos os componentes compatíveis e criar de forma rápida e económica inúmeras variantes do mesmo modelo.
Desde escolher entre diferentes tipos de suspensão, diferentes tipos de transmissão (dianteira, integral, traseira), diferentes tipos de motorização (clássica, híbrida, micro-hibrida, eléctrica GPL, plug-in...), diferentes equipamentos e outros - tudo isto num processo que é 30% mais rápido e económico que o processo actual. Tudo graças à compatibilidade. Mas se recordarmos a nossa infância, aposto que muitos de vocês estão a pensar "isto soa muito parecido aos Legos".
As peças de plástico são totalmente compatíveis e com milhões de aplicações - podia-se comprar vários kits e simplesmente usando a imaginação criar algo de diferente - recentemente fiquei admirado que ao visitar uma reunião de planeamento urbanístico usavam peças de Legos para criar modelos à escala!
E quem não teve Legos em criança, aposto que tiveram o Meccano e acham o mesmo. Já agora, o sistema Meccano foi inventado em 1901 e os sistemas antigos ainda são compatíveis com os actuais - desde os diferentes componentes aos parafusos. E usando estes componentes base há quem tenha contruído locomotivas, empilhadoras e muitas outras criações. Todas as peças compativeis e inter-mutaveis.
Daí a minha mensagem aos construtores automóveis - deixem-se de brincadeiras com os incessantes imagens e vídeos de "teasing" (agora até se faz teasing a anúncios!) e criem algo de verdadeiramente inovador!
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