Carros eléctricos - o futuro ou treta ? Parte Deux!

Como alguns leitores já devem ter percebido desconfio bastante dos automóveis eléctricos - particularmente da ideia de que são a solução e que todos devíamos comprar um. Mas depois de perder algum tempo pelo site da Renault e ter feito algumas contas fiquei ainda mais desconfiado.
Quando escrevi "Carros eléctricos - o futuro ou treta ?" desmontei alguns das vantagens dos automóveis eléctricos mas muitas conclusões ficaram no eter porque não havia números que agora estão disponíveis. E depois de uma visita ao site da Renault e alguma matemática, vejo que financeiramente e mesmo ecologicamente, os automóveis eléctricos não são o El Dorado das estradas ou dos ecologistas. Mas vamos lá ver...

Segundo o site da Renault portuguesa além do custo do automóvel temos que alugar a bateria a 79 euros/mês e só podemos fazer 10.000km por ano. Isto é um bom sistema, porque segundo uma empresa de frotas a bateria é o que mais desvaloriza o automóvel eléctrico. Assim retiramos este pormenor da equação, mas...
Mas se pegarmos nesse dinheiro (79 euros) e o gastarmos em diesel isso dá (hoje vi a 1,069euros/litro de gasóleo) 74litros - num automovel diesel que faça 7 litros/100km (eu sei que há automoveis diesel que fazem menos mas estou a apontar para o meio) isso dá para 1.057 km por mês ou 12.685 km por ano - mais 2.685 km que o limite imposto. Ou seja, estamos a pagar por quilómetros que não podemos fazer (e duvido que a Renault nos devolva o dinheiro dos quilómetros que não percorramos abaixo dos 10.000km anuais).

E o pior?! Não é que a Renault quer cobrar 20 euros pela possibilidade de fazer o test-drive? A sério! Para podermos fazer um test drive para ver se gostamos do automóvel antes de o comprar temos que pagar por esse direito?


Há outro detalhe que me chateia neste esquema da Renault - todos os ecologistas têm apregoado que a maioria das viagens de automóvel durante a semana tem apenas 60 quilómetros. Mas se dividirmos os 10.000 km anuais por 260 dias úteis no ano dá 38.5km\dia no máximo - ou seja, se o seu local de trabalho esta a mais de 15quilometros de casa esqueça.

Claro que há a possibilidade de comprar a bateria e eliminar esse limite, mas isso significa que um dia a bateria vai chegar ao fim da sua vida (não se sabe bem quanto tempo é) e ai o automóvel pode perder 90% do seu valor - isto porque um pack de baterias pode custar entre 12.000 a 15.000 euros (não consegui verificar se era com ou sem iva).

Do ponto de vista ambiental as coisas também não melhoram muito - vi um artigo na revista do ACP em que um automóvel eléctrico teria, em Portugal, emissões indirectas de 50g CO2/km. Mas isso é para o consumo energético actual - se mais portugueses comprarem carros eléctricos torna-se necessário mais energia e a forma mais rápida e barata de obter energia é queimar mais combutiveis fosseis, ou seja, esse número de 50g CO2/km é apenas teórico. E isso traz-me a outro questão - a não ser que Portugal aumente a percentagem de energia de fontes limpas, à medida que se vendam mais carros eléctricos as suas emissões indirectas vão aumentando.

Mas ainda não cheguei à verdadeira pedra no sapato - quando postei sobre o novo sistema de aquecimento que a Valeo estava a desenvolver para os automoveis electricos, li que o aquecimento (vulgo "Chaufagem") pode retirar em 30 a 40% do alcance de um automóvel eléctrico. Isso significa que o "porta-luvas" vai voltar a desempenhar o papel de guardar luvas, calchecois e gorros que os condutores de automóveis eléctricos vão precisar para conduzir nas manhãs frias para que a bateria dure...andamos para trás.

Isso significa então que os automóveis eléctricos não passam de marketing ambiental e devemos fugir deles como da peste? Não. Pensavam que eu ia dizer o oposto, certo? Os automóveis eléctricos fazem pouco sentido (ou mesmo nenhum) para o utilizador comum, mas podem funcionar para empresas com grandes parques automóveis e que tenham as infra-estruturas e financiamento que permitam contornar estas limitações: empresas como os CTT, EDP, PT e outras.

Mas há uma forma de tornar os automóveis eléctricos "possíveis" para os consumidores e para isso é preciso pensar em 3 dimensões. Estamos habituados a comprar algo e ter o conforto que é nosso, mas para o automóvel eléctrico funcionar é preciso largar esse conceito - ao invés de alugar apenas a bateria, porque não alugar o automóvel eléctrico com a bateria? Uma mensalidade como para adquirir a nossa habitação, que incluiria o custo da viatura, a manutenção, seguros, impostos, tendo apenas que acrescentar o custo da electricidade - o Renting. Empresas especializadas ou mesmo as próprias marcas poderiam comercializar esta solução aos particulares. Mas para ter sucesso, os consumidores têm que mudar de hábitos, algo que sempre se manifestou difícil de conseguir...

8 comentários:

  • Zé Miguel says:
    16 de dezembro de 2010 às 20:53

    Quando fizeste as contas do custo mensal ainda faltou adicionar o custo da electricidade gasta a carregar o carro em casa.

    O carro eléctrico ainda está numa fase embrionária, é claro que com o aumento da produção os veículos vão descer de preço, e a tecnologia das baterias ainda está atrasada, mas há bastante possibilidades de quando finalmente tiveres de mudar de bateria, recebas uma bateria com o dobro da autonomia, e com um custo menor que o actual.

    Quando ao consumo de energia eléctrica, nós neste momento estamos a vender energia a custo 0 para Espanha durante a noite devido aos contractos com as eólicas que nos obrigam a comprar toda a energia produzida. Por isso acho que nessa parte estes carros são vantajosos. Além disso temos actualmente 50% de produção de energia renovável e mesmo que fosse 100% fóssil, as contas iam ficar ela por ela a nível de CO2, até porque os gramas que aparecem nos consumos dos carros são só da combustão da gasolina/diesel, depois tens que adicionar o gasto na prospecção, refinação e transporte até à bomba.

    Para finalizar é também relevante dizer que estes carros avariam menos que os carros convencionais devido a ser uma tecnologia mais simples e que reduz o numero de peças nos carros para 1/3 (o que também implica uma redução no custo de fabricação).

    Enquanto tecnologia nova, terá um custo acrescido como acontece com qualquer produto no mercado actual mas estou convencido que os preços vão descer. E pode-se tornar uma opção viável tendo em conta a subida constante dos preços do crude, e as previsões que as reservas acabem dentro de 30 anos tendo em conta o consumo actual. Aliás, qualquer petrolhead que se preze deveria estar a favor destes carros, que é da maneira que o preço da gasolina desce :D

  • Turbo-lento says:
    19 de dezembro de 2010 às 19:59

    Eu trabalho com o desenvolvimento de produtos alimentares, e uma regra de ouro é que não vale a pena colocar um produto no mercado se não consegue estar entre os lideres na preferencia do consumidor. E actualmente o automovel electrico ainda não tem a vantagem da raridade do petroleo para compensar as suas falhas - muitos vão comprar carros electricos agora e arrependerem-se. E quando eventualmente a tecnologia melhorar as pessoas vão estar receosas de tentar de novo.

    Acredito que o electrico é o futuro (que não seja porque o petroleo vai acabar) mas creio que o "futuro não é agora".

  • Jorge Bulha says:
    29 de dezembro de 2010 às 19:51

    Vejo que há muita reflexão sensata sobre o eléctrico neste teu Blog.
    Claro que ainda é cêdo para comprar um carro eléctrico, sobretudo do ponto de vista individual. O mesmo já não acontece para as empresas de aluguer de carros, ou empresas de distribuição nas cidades que não necessitem de grande autonomia ou ainda particulares com dinheiro que andem menos de 20 Km por dia.
    Acresce que o preço do petróleo tem dado mostras de grande oscilação com a imprevisibilidade de novos picos em alta (não só devido à escassez relativa, mas também pelo facto de ser mais caro ir sugá-lo a profundidades maiores 6000 a 7000 Km.
    Por outro lado se pensarmos do ponto de vista do País, grande parte dos nossos problemas, estão relacionados com a importação de petróleo (mais de 25% das importações em valor). As tecnologias das renováveis estão a embaratecer de dia para dia o que leva aestabilizar o preço da electricidade em valores um pouco mais altos que os actuais mas muito mais favoráveis que a energhia fóssil com a actual tributação.
    Semprem que se fala de carros eléctricos, esquecem-se de referir a principal vantagem nas cidades: a forte redução da poluição. Hoje a maior parte das mortes e problemas de saúde ( com fortes consequências no Orçamento de Estado) estão relacionadas com doenças pulmonares.
    Há estudos que referem a forte influencia de um ambiente saudável na redução desta prevalência das doenças pulmonares.
    Um abraço para todos e parabéns por este espaço
    Jorge Bulha

  • Turbo-lento says:
    30 de dezembro de 2010 às 11:11

    Acima de tudo temos muita desconfiança de todo o marketing ecologico que esta por todo o lado.
    Sobre as vantagens para o ambiente, como referi neste artigo e na parte 1, ao comprar um carro electrico podemos reduzir as emissões locais verdade mas ao termos que produzir mais energia de combustiveis fosseis para carregar os automoveis electricos acabamos por aumentar as emissões...apenas as mudamos de sitio.
    As energias renovaveis ainda estão longe de cobrir as nossas necessidades e até resolvermos esta situação o carro electrico não vem salvar o mundo como muitos advogam.

    Daí porque não a nuclear? uma central provavelmente resolveria este problema e até seria possivel eliminar algumas barragens que tanto danificam os ecosistemas locais...

  • Besedaeste says:
    30 de dezembro de 2010 às 17:31

    Acho que os carros eléctricos não irão salvar o mundo, pelo menos para já. Contudo Turbo, sou menos desconfiado que tu :-).

    Acho que a aposta em novas fontes de energia para alimentar os nossos queridos bólides é cada vez mais necessária.

    Quanto a mim, o principal problema continua a ser a "Vontade Política", que continua a impôr no cidadão a "liberdade de escolha forçada" face aos veículos movidos a combustíveis fósseis. Não somos obrigados a comprar um carrinho a gasolina, mas os Estados limitam as opções, nomeadamente no que diz respeito ao valor final dos veículos eléctricos ou híbridos.

    Toda esta política energética tem uma finalidade: salvar a pele da indústria petrolífera. Simplesmente isto. Basta fazer as contas ao que esta indústria gera em todo o mundo para termos noção de que quem controla todo este cenário, não somos nós, não são os consumidores... são os Estados e respectivas companhias petrolíferas. E quando assim é, não há muito que possamos fazer.

    Claro que o argumento da "mudança de sítio" é válido e acertado, concordo contigo, mas as nações têm que começar a, gradualmente, libertarem-se das amarras e correntes que as prendem ao petróleo, seja na forma de combustíveis para veículos, seja em outra forma.

    Curiosidade: em Penafiel, onde moram os meus avós, numa aldeia chamada Galegos, ainda há muitas casas que aquecem as respectivas com "Gasóleo de Aquecimento". ??? Pensei que isto já não se usasse! Será que o Estado sabe disto? Não seria muito mais rentável e ecológico o uso de sistemas eléctricos de aquecimento?? Claro que o Eng.º Sócrates quer lá saber se isto polui, não polui, se gasta muito ou pouco, se é friendly ambientalmente ou não. O que ele quer é que a Galp venda.... mais nada!

    O leitor Jorge Bulha focou um aspecto importante: para uso na cidade, porque é que, por exemplo, não há incentivos reais e realistas para a compra de veículos eléctricos? Claro que ninguém vai comprar um Nissan Leaf ao preço que ele está para fazer 40Km por dia... Compram um diesel... lá estamos nós, falta de vontade política para mudar hábitos e atitudes que se reflectem em comportamentos prejudiciais para o ambiente das nossas cidades, para a nossa saúde, dos nossos filhos, animais, etc etc

    O Eng.º Sócrates lá quer saber disto... Desde que a Petrogal e a Galp continuem a facturar, por ele, é igual ao litro. Até porque não é ele que paga o combustível que usa, somos nós que pagamos para ele andar de V8...

  • Unknown says:
    12 de janeiro de 2011 às 12:55

    A única coisa que eu não percebo é o porque dos veículos eléctricos estarem sujeitos a tão pouca autonomia, quando a Tesla (carro totalmente eléctrico desportivo), consegue, segundo a Tesla, 400 km de autonomia.

  • Diogo says:
    12 de janeiro de 2011 às 18:15

    Não conheço os detalhes do Tesla, mas acho que tem uma bateria sofisticada. O preço também é outro...
    Além disso, sendo um desportivo de 2 lugares exige menos espaço, a bateria pode ser comparativamente maior.
    E o chassi derivado do Lotus Elise é muito leve.
    Tudo a ajudar...

  • Nuno says:
    17 de fevereiro de 2016 às 19:19

    Seria interessante fazer novo balanço dos carros eléctricos.

    É interessante verificar que com o passar do tempo as respostas vão surgindo e os mitos vão caindo.

    Fica o desafio...