Tesla aldrabou autonomias e clientes?

E alguém fica admirado? É uma historia/investigação da Reuters que alega que a Tesla há cerca de uma década começou a manipular o calculo da autonomia para que indicasse valores "otimistas" e criou uma equipa dedicada a que clientes da Tesla que se queixassem de problemas de autonomia inferior não fossem atendidos pelos serviços técnicos. Abaixo resumo o artigo da Reuters.

Manipulação de autonomias
Segundo fonte interna que trabalhou no desenvolvimento do indicador/calculo de autonomia Elon Musk dirigiu a equipa para que quando os Teslas tivessem a bateria 100% carregada estes indicassem uma autonomia exagerada para motivar o consumidor a comprar a viatura. Mas assim que a carga da bateria atingisse os 50% o algoritmo mudava e passava a mostrar uma autonomia muito reduzida - algo que os condutores se queixavam como "perda abrupta de autonomia". Pelos vistos "não era uma queda abrupta de autonomia" mas a correção à realidade. Para evitar que os clientes ficassem sem bateria antes de conseguirem chegar a um post de carga a Tesla programou o indicador de autonomia para ficasse uma reserva de 24 quilómetros quando indicasse que a bateria estava vazia.

Que as autonomias dos Teslas sempre foram "otimistas" não é propriamente surpresa:
- Na Coreia do Sul a Tesla foi multada por publicidade enganosa quando se descobriu que as autonomias caírem até 50,5% em clima frio;
- Nos EUA onde é possível aos construtores indicarem uma autonomia testada por eles ou usando o calculo da EPA, a Tesla foi ordenada (após auditoria pela EPA) a reduzir (em média) em 3% as autonomias que anunciava em todos os seus modelos determinadas segundo o modo interno deles. Por exemplo, a autonomia anunciada pela Tesla para o Model Y Long Range AWD teve que ser reduzida em 5,15%;
- Segundo várias publicações 3 modelos da Tesla têm uma autonomia real (em média) 26% inferior à anunciada:
->SAE International: Verdade que a Tesla não é a única com automóveis que não atingem a autonomia anunciada - Gregory Pannone publicou em Abril um estudo na SAE International em que após a analise de 21 modelos conclui que em média a autonomia de auto-estrada é 12,5% inferior à anunciada. Em declarações à Reuters Pannone disse que os Teslas em média tem na realidade uma autonomia de autoestrada 26% inferior à anunciada.
->Recurrent: após a analise entre 2022 e 2023 dados de mais de 8.000 Teslas, os indicadores de autonomia não entram em conta com a temperatura ambiente (que afeta grandemente a autonomia) para o calculo da autonomia. Nos 4 modelos da Tesla avaliados até que 90% da autonomia EPA seja percorrida os indicadores de autonomia não entram em conta com fatores externos que afetam a autonomia, só depois dessa "barreira" é que há uma "correção" da autonomia indicada. A Recurrent também testou os indicadores/calculadores de autonomia de outros construtores (incluindo os do Ford Mustang Mach-E, Chevrolet Bolt e Hyundai Kauai) e conclui que estes são mais precisos. O do Hyundai Kauai (e por associação o Kia Niro) até subestima a autonomia possível.
->Edmunds: num teste efetuado em Fevereiro de 2021, que incluía 5 modelos da Tesla e 10 viaturas de outras marcas, nenhum dos Tesla atingiu a autonomia anunciada pela marca. Dos restantes 10 participantes "não Tesla" apenas 1 não conseguiu atingir a autonomia anunciada. A Tesla protestou que o teste foi interrompido assim o indicador de autonomia dizia que a bateria estava vazia e não efetuado até à exaustão - o teste foi repetido em Março de 2021 com 6 modelos da Tesla e apenas 2 conseguiram atingir a autonomia anunciada.

A autonomia é um dos grandes obstáculos à maior adoção dos automóveis elétricos e Elon Musk sabia disso - a "Range anxiety" como é conhecida nos EUA. Aparentemente a solução de Musk foi manipular a informação dado ao condutor/cliente.



Distrair, desviar, ofuscar
A manipulação funcionou - as vendas da Tesla disparam atingindo 1,3 milhões de automóveis em 2022. Mas com o aumento das vendas a Tesla começou a ser inundada com pedidos de ajuda e assistência porque os carros não atingiam a autonomia anunciada. Os pedidos de assistência eram feito pela aplicação de smartphone e uma equipa à distancia acedia remotamente à viatura para verificar se era possível corrigir o problema sem ter que ir a uma oficina: evitando engarrafar as oficinas e facilitava a vida ao cliente. Mas quando as queixas de autonomia explodiram a Tesla podia ser honesta e admitir o que fez...ou simplesmente apontar para algo no vazio e gritar "esquilo"!

A Tesla criou em Las Vegas uma equipa específica para lidar exclusivamente com queixas de autonomia. Inicialmente estes "assistentes" executavam diagnósticos à distancia e ligavam aos clientes para tentar convencê-los a cancelar a ida à oficina. Diriam que as autonomias anunciadas e aprovadas pela EPA (não as autonomias pelo calculo da EPA, mas as autonomias da Tesla corrigidas pela ordem da EPA) eram apenas indicativas e não uma medição exata, que as baterias degradam-se com o tempo e ofereciam dicas para mudar o perfil de condução.

Segundo uma fonte interna, se o cliente não atendesse a primeira tentativa de contacto da Tesla as ordens eram para encerrar o caso e não tentar novo contacto. O mesmo se o diagnostico remoto feito pelo assistente indicasse qualquer outro problema não relacionado com a autonomia - as ordens eram de não dizer ao cliente e encerrar o caso.

Mais tarde a Tesla atualizou a aplicação do smartphone para que clientes com queixas de autonomia não conseguissem fazer marcações de oficina, teriam que esperara contacto telefónico da Tesla, algo que segundo a fonte interna podia demorar dias devido ao elevado número de reclamações. Mas não ficaram por aqui, porque a seguir voltaram a modificar a aplicação e quem se queixasse de problemas de autonomia recebia apenas dicas de condução e reencaminhava qualquer chamada para a tal equipa de Las Vegas que tinha como único objetivo assegurar que o cliente não fosse a uma oficina.

No final de 2022, como a quantidade de queixas continuava a aumentar a equipa recebeu ordens deixar de fazer diagnósticos remotos às viaturas de clientes com queixas de autonomia e dizer ao cliente que não há nada de errado na viatura - o objetivo era reduzir o tempo de cada chamada a menos de 5 minutos. Segundo a fonte da Reuters milhares de clientes queixosos foram informados que não havia nada de errado com os seus Teslas apesar de nunca ter sido feito um diagnóstico.

A Tesla recentemente encerrou a unidade de Las Vegas e transferiu-a para o Utah...se as "boas práticas" ficaram em Las Vegas é uma boa pergunta.

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