PSA e FCA dizem sim!

Yup, a Fiat Chrysler Automobiles e o PSA Group assinaram o livro dos noivos...acordo de fusão, com a nova entidade a ser liderada por "tuga" Carlos Tavares ao lado do Chairman da FCA John Elkann. Depois de muito cortejar a PSA e FCA dão o nó depois do tímido e fugaz romance com a Renault. Esta nova entidade, para já sem nome, terá 14 marcas, produzindo 8,7 milhões de automóveis e lucros combinados de 11 mil milhões de euros...Algo tão grande e repentino raramente acontece no mundo automóvel - nasce o 4º maior construtor automóvel do mundo (em vendas) e o 3ª maior em lucros.
Abaixo tento abordar todos os pontos importantes desta fusão de forma curta e direta.

Números envolvidos
Ainda aguardando luz verde dos reguladores e accionistas, a Fiat Chrysler e PSA assinaram um pré-acordo de fusão cada uma com 50% de participação numa nova entidade líder no mercado automóvel. Com esta fusão, avaliada em 50 mil milhões de euros, cria-se o 4º maior construtor automóvel do mundo (em vendas) com 8,7 milhões de automóveis vendidos - utilizando os números de vendas de 2018 apenas a Volkswagen AG, aliança Renault Nissan Mitsubishi e a Toyota Motor Corp. conseguem ser maiores:
1. Grupo Volkswagen - 10.8 milhões
2. Aliança Renault Nissan Mitsubishi alliance - 10.8 milhões
3. Toyota - 10.6 milhões
4. PSA + Fiat - 8.7 milhões
5. General Motors - 8.4 milhões
6. Hyundai-Kia - 7.4 milhões
7. Ford - 6.0 milhões
8. Nissan Motor Co - 5.7 milhões
9. Honda - 5.3 milhões
10. Fiat Chrysler (FCA) - 4.8 milhões
11. PSA - 3.9 milhões
12. Renault - 3.9 milhões
13. Mitsubishi Motors - 1.2 milhões

Ambas PSA e FCA esperam completar o acordo no prazo de 12 a 15 meses, e pelo meio ainda têm que arranjar um nome para este novo grupo. Será baseado na Holanda e cotado nas bolsas de Paris, Milão e Nova York. A gestão ficará a cargo de uma direção com 11 membros: 5 nomeadas pela PSA, outras 5 pelas FCA, e o 11º lugar irá para Carlos Tavares que também será o CEO durante os primeiros 5 anos. Da FCA John Elkann será o chairman do grupo e Michael Manley será o número dois de Tavares e o responsável pelas operações nos EUA.

Mas não é só em números de automóveis vendidos que esta fusão impressiona - emprega 400.000 pessoas pelo mundo fora e tem lucros líquidos de 11 mil milhões de euros. Baseada na Holanda terá mercados por todo o mundo, com 46% dos seus rendimentos a virem da Europa e 43% da América do Norte.

Pelo meio a Dongfeng Motor irá reduzir a sua participação de 12.2% na PSA ficando com 4,5% do novo grupo (para facilitar a passagem pelas autoridades americanas) e a Exor da família Agnelli, que detém 29.2% da FCA, será o maior accionista individual da nova firma com uma participação de 14.5%.

Curiosamente esta fusão que liga 2 grandes famílias da industria automóvel mundial, a família Peugeot e Agnelli.



Benefícios
Este acordo dará à PSA o que precisa para fazer o muito desejado salto para os EUA e dará à FCA a estabilidade e novas plataformas para refrescar enfim a sua gama. Para esta fusão funcionar terá que haver o máximo de sinergias: 3,7 mil milhões de euros de sinergias segundo as empresas, com a partilha de tecnologias, plataformas e produtos a representar 40% das sinergias, compras em conjunto outros 40% e os restantes 20% das sinergias serão conseguidas nas áreas do marketing, tecnologias de informação, logística e custos administrativos.

Segundo os planos actuais, mais de dois terços da produção utilizara apenas 2 plataformas: 3 milhões de automóveis numa plataforma para compactos/médios (ou seja a plataforma EMP2 da PSA) e 2,6 milhões de automóveis numa plataforma para pequenos automóveis (ou seja a plataforma CMP da PSA). A escolha das plataformas PSA é lógica - são modulares, capazes de trabalhar com múltiplas motorizações e também porque a FCA não tem nada minimamente parecido ou pronto para usar. A plataforma CMP já está em uso nos DS 3 Crossback, Peugeot 208/2008, Opel Corsa e o próximo Citroen C4 Cactus chega em 2020 também nesta plataforma. A plataforma EMP2 já cá anda desde 2017 servindo de base aos Peugeot 3008/5008 e 508, DS 7 Crossback, Citroen C5 Aircross e Opel Grandland.

A Fiat Professional e as carrinhas comerciais Dodge já partilham plataformas com os comerciais PSA. Apenas os Dodge, pickups RAM e os Jeep Wrangler, Gladiator e Grand Cherokee devem manter plataformas especificas da FCA.


Mas nem tudo são rosas
Ambas FCA e PSA ainda dependem demasiado na Europa (nenhuma consegue singrar na mercado fundamental que é a China) e estão muito atrasadas no que se refere a tecnologias de condução autónoma e electrificação - dois problemas que a fusão não resolve. E até arranja uma grande dor de cabeça: o que fazer com todas as marcas deste novo grupo?

Juntas o PSA Group e Fiat Chrysler Automobiles detêm 14 marcas e infelizmente é pouco provável que todas sobrevivam: numa entrevista em Novembro Carlos Tavares disse que para já não tinha planos de ser ver livre de alguma marca mas também disse que gerir todas elas iria ser um grande desafio, e numa outra entrevista à BFM Business disse que o novo grupo não teria mais marcas que o grupo Volkswagen (que tem 10 marcas, incluindo as novas chinesas Sihao e Jetta). Para referência a aliança Renault Nissan Mitsubishi tem 10 marcas (Renault, Nissan, Mitsubishi, Infiniti, Renault Samsung, Dacia, Alpine, Datsun, Venucia e Lada) e a Toyota Motor Corporation tem 5 marcas (Toyota, Hino, Lexus, Ranz e Daihatsu).

Mas a maioria das marcas da FCA estão muitos desfalcadas de modelos, o que têm está há muito a precisar de ser substituído e arriscam sobreporem-se com marcas da PSA. E se por agora Carlos Tavares não vai fechar nenhuma marca, ele também disse que no máximo só queria ficar com 10 e tem 14 - ou seja, 4 destas podem vir a desaparecer mas quais?
Abarth: recuperada como marca própria em 2007 comercializa as versões mais extremas dos Fiat Punto, 500 e 124 Spider. Tavares foi quem liderou o renascer da Alpine mas com o apertar das emissões e zero eletrificação no futuro próximo a Abarth é uma ancora. O mais certo é voltar a hibernar e regressar quando tudo estiver organizado, provavelmente como um tuner interno - como a AMG está para a Mercedes ou o Departamento M para a BMW. Futuro previsto: hibernação.

Alfa Romeo: uma marca histórica e icónica sem dúvida mas historia não paga contas - a marca perde dinheiro há 20 anos, neste momento vende apenas 3 modelos (Giulietta, Giulia e o Stelvio) e depois de 3 tentativas de relançar a marca nos mercados mundiais a FCA recentemente anunciou o corte de investimento na marca cancelando vários futuros modelos. Depois de tanto dinheiro enterrado valera a pena voltar a tentar? Futuro previsto: incerto.

Citroen: marca histórica que nos deu o 2 Cavalos, o DS e muitos outros já perfeitamente integrada com as restantes marcas da PSA e como já devem ter percebido pelos anúncios está a focar-se no conforto e design mais audaz. Mas está limitada à Europa e continua com problemas na China. Futuro previsto: seguro.

Chrysler: a marca base da FCA nos Estados Unidos que tem estado lentamente a desaparecer - só tem 2 modelos (o 300 e o Pacifica) e no plano apresentado em Junho de 2018 não há nenhum novo modelo previsto para os próximos 5 anos. Futuro previsto: incerto mas politicamente seguro.

DS Automobiles: lançada em 2012 como a marca premium da PSA nunca conseguiu largar a imagem de "apenas Citroens mais polidos" e até na China (um dos alvos principais para a DS) teve problemas em colar. Mas Tavares parece decidido a apostar na DS: é lucrativa apesar das vendas fracas (graças a partilha de componentes), as vendas recuperaram com os lançamentos dos DS 7 Crossback e DS 3 Crossback, está em curso reorganização da unidade chinesa e já em Genebra deveremos ter um novo modelo de topo. Futuro previsto: seguro.

Dodge: versão americana da Abarth e tal como a Chrysler sem nenhum novo modelo no futuro próximo poderá a seguir o mesmo caminho da equivalente italiana. Futuro previsto: incerto.

Fiat: nesta nova entidade a Fiat é, em vendas, a 2ª maior marca do grupo atrás da Peugeot. A Fiat tem muitas fabricas na Europa e América Latina, e já detém uma longa parceria com a PSA nos Fiat Professional. Mas já desistiu da China, nos EUA já descontinuou o 500, que continua a ser com o panda os modelos que mais vende na Europa mas segmento que pretende abandonar. A continuidade da Fiat é certa mas tem muito que fazer pela frente. Futuro previsto: politicamente intocável.

Jeep: das poucas historias de sucesso da FCA. Quando os italianos chegaram a Jeep vendia apenas 1 milhão de unidades e fabricava apenas nos EUA mas agora já vende mais de 1,55 milhões de unidades e tem 10 fabricas espalhadas pelo mundo. Em conjunto com a RAM é a maior fonte de dinheiro da FCA - o Compass é o modelo mais vendido globalmente mas a Europa terá em 2022 um modelo abaixo do Renegade. Futuro previsto: seguro.

Lancia: com a Abarth talvez a mais certa a desaparecer. Uma marca icónica e com um historial único mas actualmente produz apenas o Ypsilon que é apenas vendido em Itália num segmento que a Fiat já disse que vai abandonar e sobrepõem-se completamente com a DS. Futuro previsto: hibernar.

Maserati: ao fundir com a FCA Carlos Tavares consegue enfim algo que há muito deseja - uma marca verdadeiramente Premium. Apesar das vendas terem caído recentemente e estar apenas limitada a 3 modelos (Ghibli, Quattroporte e Levante) a FCA já anunciou que a Maserati irá lançar 7 novos modelos entre 2020 e 2023. Futuro previsto: seguro.

Opel: salva por Carlos Tavares em 2017 a marca alemã voltou enfim aos lucros graças a partilha de plataformas e outras eficiências do trabalho do grupo. Apesar de limitada atualmente à Europa a PSA está já a preparar o regresso ao mercado russo. Futuro previsto: seguro.

Peugeot: a marca de maior volume de vendas do grupo PSA e na Europa é a 4ª marca mais vendida. Infelizmente está agora mais limitada à Europa com quedas de vendas na China, América latina e médio oriente. Futuro previsto: seguro.

Ram: a maior fonte de dinheiro, em conjunto com a Jeep, para a FCA comercializando pickups e carrinhas comerciais. Futuro previsto: seguro.

Vauxhall: marca adquirida pela Opel para não ferir as susceptibilidades dos Ingleses em comprarem um carro alemão. Se o Brexit assegura a continuidade do nome, o mesmo Brexit poderá condenar uma das fabricas no Reino Unido. Futuro previsto: seguro.

Duas das marcas vulneráveis são também basicamente intocáveis: a Fiat em Itália e a Chrysler nos EUA.

Mas não é só marcas que estão em jogo. Numa coisa FCA e PSA estão desde já em linha - ambos vão abandonar os citadinos. A PSA diz não ter planos para substituir os Citroen C1 e Peugeot 108, e em 2021 abandona oficialmente a parceria com a Toyota com quem partilhavam a fabrica da Republica Checa de onde também saia o Aygo. A FCA já anunciou publicamente que iria abandonar o segmento. Adeus C1, 108, 500 e Panda.


Concluindo
Como disse acima, este é ainda um pré-acordo entre as empresas - falta agora a luz verde de governos (afinal estamos a falar de 2 marcas com fortes laços nacionais), autoridades legais e sindicatos. Mas se há algo que Carlos Tavares nos habituou é que não falha - os 3 grupos que estão acima da nova PSA+FCA que se cuidem...

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