Velho demais para conduzir, novo demais para morrer

Todos temos coisas que gostaríamos de mudar - o peso, a cor do cabelo apenas para enumerar algumas. Eu gostava de ter aguentado mais 2 dias na barriga da minha mãe: teria nascido no dia 29 de Fevereiro e poderia dizer que tenho apenas 9 anos - algo que a minha esposa concorda porque segundo ela nesse caso a minha idade mental seria próxima da física. Curiosidade - sabiam que isso já não é possivel? Por lei, quem nascer no antes do meio dia do dia 29 de Fevereiro é registado no dia 28 e se nascer depois do meio-dia então é registado do dia 1 de Março. Seca. Falo nisto porque caminho alegremente para os 40 - sim, estou próximo de ser oficialmente velho e apercebi-me do quanto complicado é envelhecer atrás do volante.

É verdade é que estou a ficar velho (não ria porque você também) e a contribuir para o envelhecimento da população. Vivemos mais anos e nascem menos bébés - o que significa não só que há menos jovens para trabalhar, mas também que há um maior peso sobre os jovens para tratarem dos idosos. Mas curiosamente isto não parece impedir os "mais velhos" de tentarem levantar cada vez mais obstáculos aos jovens para a maior, e talvez a única, aventura moderna: conduzir um automovel.

Estou a referir-me as inumeras opiniões que cada vez mais surgem de várias direções como jornais e organizações (incluo o ACP neste grupo), criticando os hábitos de condução da juventude quando a maioria dos problemas e acidentes das estradas portuguesas são conceptuais e/ou manifestações de problemas sociais que afetam todas as idades.
 
As criticas soam quase todas iguais - implicam com o facto de irem logo para a auto-estrada mal tiram a carta (onde o trânsito até vai todo na mesma direção o que é bom), compram carros potentes (são jovems logo melhores reflexos que eu o que é bom) e depois há sempre a questão da irresponsabilidade. Há quem diga que os jovens são irrespondaveis - sim, têm mais acidentes, bebedeiras, lesões, sexo...é exuberancia jovem, algo tão inevitavel como lamentavel. É mais excesso de entusiasmo e não falta de tecnica ou jeito.

É conveniente culpar os jovens, quase uma tradicão e, sejamos sinceros, faz parte de ser jovem picar e ser repreendido pelos mais velhos.
 
Só que com o envelhecimento da população, os mais velhos estão a ficar a maioria e temo que esta amargura se torne uma força imparavel. Muitos reclamam testes mais dificeis para condutores sem experiência - sinceramente, são os condutores mais experientes que fazem as maiores asneiras, normalmente enquanto convencidos que são os maiores (e esquecidos que já foram jovens também). Os jovens estão mais bem equipados (mentalmente e fisicamente) para conduzir e os mais velhos podem gabar o comprimento da folha de serviço, se bem que pouco impacto faz na realidade. Ou seja, a haver um teste mais exigente devia ser para todas as faixas etárias, algo que curiosamente "os mais velhos" se recusam a discutir... lembram-se de há uns anos atrás um governo queria ter regras mais exigentes para os condutores de camiões de matérias perigosas? Pois, fizeram greve.
 
Mas permitam-me saltar para a outra extremidade - é que há tambem cada vez mais perseguição aos condutores de idade avançada. Cada vez mais pessoas defendem que com o avançar da idade as celulas cinzentas morrem e que é preciso testes regulares aos tempos de reação - quem não for capaz perde a carta.

Sim, ficar velho atrás do volante trás consigo certos efeitos como conduzir de chapeu posto, ter aquelas ridículas coberturas nos volantes, óculos na ponta do nariz e outros na cabeça, conduzir em cima do volante, ter uma caixa de lenços de papel na chapeleira e conduzir um velho mas imaculado Toyota.

Se bem que vejo cada vez mais idosos ao volante de Mini's de primeira geração - o da BMW claro. Além de dar origem a muitas anedotas, sinceramente não vejo grandes riscos.
 
Conduzem devagar mas isso é bom - esperem por um pouco de estrada aberta e ultrapassem. E a maioria deles conduz devagar porque não vêem bem - quando temos nevoeiro também não vemos bem e também conduzimos devagar. Chegamos ao ponto de sermos perseguidos por sermos rápidos demais ou por sermos lentos demais - antes os novos demais eram o perigo, agora os velhos demais são o perigo!
 
Sinceramente acho baixo implicar com os mais velhos porque acredito que podemos acomodar as limitações dos nossos idosos, afinal nenhum de nós esta a ficar mais novo ou a criar mais células cinzentas. Sim, pode estar a rir-se desse senhor ao volante de um Rover a demorar uma eternidade a negociar um cruzamento, mas ainda há pouco tempo esse mesmo homem corria debaixo de uma chuva de balas e morteiros na Guerra Colonial onde ninguem lhe perguntou se queria ir. Portanto, se ele agora precisa de mais tempo deixem-no em paz!!

 
Mas independentemente do lado que defende, o problema actual não é o número de células cinzentas vivas mas sim como as usamos - sei que o proverbio é outro mas acompanhem que vão perceber. A pergunta que importa é - será somos suficientemente inteligentes para o nosso automovel?

É que regularmente caem-me na caixa de email estudos que dizem que não somos capazes de conduzir e falar ao telemovel, mesmo recorrendo a sistemas mãos-livres e agora temos ecrãs sensiveis ao toque que aglomeram todo o genero de funções tal como email controlado por voz e até Facebook! Estive recentemente ao volante de um Audi A8 e juro que demorei bastante só para perceber o básico. Havia sistemas para ligar e desligar, e dezenas de outros que são configuraveis. Aquilo não tinha um manual porque não a enciclopédia luso-brasileira é mais pequena...

Claro que o pessoal da higiene e segurança gritam a plenos pulmões que os nossos neurónios não aguentam conduzir e usar todos estes sistemas de "infotainment" (o que quer que isso seja) e têm de ser proibidos! Algo que (obviamente) os contrutores recusam completamente. Mas quem quer que seja que tenha razão, isto é como um urso tomar o gosto da carne humana, o consumidor/condutor moderno quer estar ligado e poder gerir a sua vida enquanto conduz. Ponham toda a legislação que quiserem, policias à caça que não vai mudar nada. Será mesmo que burro velho não aprende línguas?

Nos primordios do automovel chegou a haver a regra da bandeira vermelha que dizia que quando se saía de automovel era necessário ter à frente, a pé, um homem a agitar uma bandeira vermelha para que este avisa-se as pessoas da passagem de um automovel.

Mas com o tempo evoluimos (tirando um certo clérico muçulmano que disse recentemente que conduzir danificava os ovários femininos) e adaptamo-nos bem a conduzir a velocidades mais elevadas e o mesmo vai acontecer com a fusão da condução e conectividade.

O nosso cerebro não consegue? Se olharmos para os pilotos de aviões (comerciais e/ou militares) podemos ter uma ideia da complexidade de decisões que o nosso cérebro é capaz com a formação certa. E atenção - para tirar o brevet de aviação apenas é necessário o 12º ano, não é fisica nuclear. Será então um caso de melhor treino do condutor? Até concordo que precisamos de cursos de condução mais extensos, rigorosos e proibir a utilização de mini-saias e decotes durante o exame de condução, mas ao inves de tentar parar a tecnologia, as autoridades têm que reconhecer que as pessoas querem usar os seus telemoveis e ecrãs tacteis e devem criar formas de treino/formação para lidar com o multitasking. Dêem uma apitadela ao pessoal da TAP.

E atenção homens, isto pode ser duplamente benéfico para nós - sejamos sinceros, o ultimo homem hetero-sexual capaz de multi-tasking foi Bill Clinton que era capaz de comer uma pizza, estar ao telefone com o Congresso Americano e receber sexo oral da Monica. Todos ganham.
 

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