Construtores manipulam preços de componentes

Recentemente surgiram noticias de que construtores automóveis estariam a usar software para aumentar os lucros via os preços de componentes - valores variam mas anda à volta de mil milhões de euros nos últimos 10 anos. Então como fizeram isso e será ilegal ou simplesmente ordinário? Vamos por partes.

Nota introdutória
Antes de mais é importante dizer, porque alguns sites portugueses fazem essa sugestão, não há (neste caso) construtores a combinarem preços entre eles - isso seria muito ilegal.


Então do que se trata?
Uma disputa em tribunal entre o autor (Laurent Boutboul) de um software chamado Partneo e o seu atual proprietário (Accenture) tornou publica alguma documentação e apresentações powerpoint que gabavam que construtores automóveis como a Renault, Jaguar Land Rover e Peugeot conseguiram (graças a este software em disputa) aumentar os lucros da venda de componentes em mil milhões de euros. É que no mercado de componentes há peças protegidas por patentes e outras não - algo que os construtores se aproveitam para cobrar mais.

Ao invés de aplicar uma margem de lucro especifica a todos os componentes este software tenta identificar quais são aqueles que o cliente está disposto a pagar mais - “perceived value pricing methodology”. Faz esta selecção baseada na "aparência" do produto pelo cliente - se parece ser mais valioso ou mais caro de produzir. Segundo uma das apresentações a percepção do valor intrínseco de um componente pelo cliente é muitas vezes feita com base em factores como o tamanho, peso, material utilizado (elementos cromados por exemplo) ou aspecto/complexidade aparente (como uma engrenagem complexa).

Mas além de aumentar os preços de componentes baseados na sua "percepção pelo cliente" o Partneo tenta faze-lo de forma a não haver reacção negativa de terceiros: o software categorizava os componentes se têm ou não supervisão de preços por "terceiros" como seguradoras ou publicações especializadas. Em França a Securite Reparation Automobile (SRA), um grupo apoiado pelas seguradoras nacionais, avalia a inflação de componentes automóveis e publica esta informação por forma a pressionar os construtores a baixarem os seus preços. Segundo a queixa de Boutboul o Partneo evitava aumentar preços de componentes específicos que eram mais controlados pela SRA.
A Renault, Jaguar Land Rover (a única que confirmou usar o tal software) e Peugeot responderam que as suas tabelas de preços para componentes de substituição eram legais, não se aproveitam dos proprietários e são feitas com base na eficiência e disponibilidade.

A Accenture nega que o software seja injusto (nota pessoal - piada do ano), e que apenas procura melhorar a eficiencia do cliente/construtores.


Então, é ilegal ou não?
O software em si não é ilegal, software para identificar os preços mais altos que os clientes estão dispostos a pagar é algo comum em múltiplas industrias - estamos a falar de multinacionais e elas não têm coração, tem um contabilista. E se nos automóveis em si os construtores têm dificuldades em conseguir mais que 10% de margem de lucro, em peças de substituição as margens de lucros podem atingir (segundo a Accenture) até 90%.

Mas o julgamento está ainda a decorrer e há um detalhe que podia ser ilegal mas afeta apenas a Accenture: o autor do software diz que a Accenture usou dados de precário privados obtidos da Renault para configurar o software para a PSA e possivelmente para outras marcas - isso já é ilegal segundo as regras europeias, mesmo quando o sofware não cruza/partilha informações entre clientes.

As marcas envolvidas e a Accenture recusam esta acusação e o regulador do mercado frances disse que examinou o software e não encontrou bases para uma investigação - infelizmente também não explicou como chegou a essa conclusão. Teremos que esperar pelo fim do julgamento para ver no que dá.

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